Nossas Expressões: Uma Prática Cultural autopoiética na pluralidade para a formação de uma eticidade democrática
Fernanda Nunes Ávila
Universidade Federal de Pelotas
Estudante de Graduação
Philos.pel@gmail.com
O Projeto Nossas Expressões teve sua 1ª edição no ano de 2008 em cooperação entre a Coordenação de Arte e Cultura do DCE/ Ufpel, o Grupo de Estudos Caixa de Pandora e o Centro Universidade Cultura e Arte da Ufpel. Proponho passar a apresentá-lo em dois momentos neste trabalho:
1. Reapresentar os conceitos arendtianos de “Poder” e “Autoridade” a partir do texto comunicado por mim no I Simpósio Internacional de Gênero, Arte e Memória (SIGAM) realizado em 2008 pelo Grupo de Estudos Caixa de Pandora;
2.Apresentar um relato teórico-prático da 1ª edição do projeto realizada entre 11 de outubro e 29 de novembro de 2008 em cooperação da Coordenação de Cultura e Arte do DCE e do CUCA da UFPEL.
1.SOBRE PODER E AUTORIDADE
O “Poder”, mais que uma ação coletiva em concerto, é importante e,de certa forma,determinante à medida que se constitui a ação que funda a própria comunidade(grupo, nação ou cidade), iniciando uma esfera pública para a intervenção humana, só pode ocorrer,portanto,por meio de um encontro público em que haja acordo e consentimento.Talvez por esta característica do “Poder”, Arendt trate este conceito e o da “Esfera Pública” como espaço das aparências e lugar de “isonomia” e “isegoria”. Para a autora, este dado fundacional da comunidade é o que garante a legitimidade do “Poder”. Em suas palavras: “O “Poder” emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial que de qualquer outra ação que possa então seguir-se” (ARENDT, 2001:41). Considerando-se assim, qualquer poder seria justificado por si mesmo, porque é fruto da ação coletiva do grupo que o sustenta. Qualquer ação política futura deve, para legitimar-se, referir-se a este momento inicial da comunidade.
Enquanto para Arendt, o poder é um fim em si mesmo,não podendo ser instrumentalizado em nome de qualquer outro fim; em desacordo com a tese weberiana da utilização mais eficiente possível dos meios disponíveis para uma ação estratégica em direção ao poder.
Percebo nas definições de “Poder”, “Política” e “Autoridade”
Por este vínculo permanente com o momento fugaz que H. A. considera a autoridade como sinônimo de tradição e estabilidade.Reivindicando a experiência política humana, em que este tal momento fundacional é absolutamente central é que Arendt vai afirmar que toda autoridade estará fundada no momento primitivo,isto é,será instável por si mesma, mas sustentada por regras externas a ela p´rópria.Enquanto o “Poder” é fugaz , instável e dinâmico; a autoridade se faz tradicional e estável.Penso que este raciocínio levado como pressuposto apresentaria a autoridade como uma “institucionalização do poder”.
E, sendo o conceito de “Poder” marcado pela idéia de ação política plural,baseada no consentimento e na livre troca de opiniões entre iguais;então poder e violência são necessariamente opostos: onde um domina completamente,outro já não está.Mesmo indicando por autoridade, a estabilidade e a tradição;o consentimento não implica uma relação inquestionável com quem exerce o poder, já que só mediante violência se alcança um grau de adesão destes,podendo-se partir desta distinção na obra da autora em direção a uma compreensão de consentimento e de apoio às instituições como forma legítima de poder acompanhando o raciocínio arendtiano que “jamais houve governo exclusivamente baseado nos meios de violência,e que onde a violência opera de forma recorrente, o poder já se desintegrou”.
E na relação de conceitos distintos por Arendt, propondo pares opostos: poder/violência; poder/consentimento. Notando-se que para estas considerações conceituais a autora não se satisfaz tratando de qualquer consentimento, mas daquele que se refere ao acordo entre homens livres e iguais.
Hannah Arendt aparenta certa ousadia ao tratar da crítica à tradição,porém,absolutamente respeitosa no trato da acumulação teórica possível a partir desta crítica criteriosa das definições anteriores a si dos conceitos que propõe.Critica as teses weberianas de “Poder e Conflito”,apontando para a insuficiência destas categorias quando reduzem as relações de poder/violência à simples existência de conflito e resistência.Na tese de Weber: “ Poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social,ainda que contra toda resistência e qualquer que seja o fundamento desta probabilidade.”(WEBER,1984:43)H.A. rejeita este pressuposto weberiano de imposição de vontade contra a resistência porque embora a luta possa ser pacífica( sem apresentar traço de violência efetiva),não há dúvida que possa redundar em violência,não havendo,na visão de Arendt,nenhum vínculo necessário entre luta e violência. O que vem a carcterizar a luta e o poder não será para Arendt o meio, mas sim a natureza da relação centrada no conflito.Podemos afirmar que a tradição entendeu o poder como algo ali próximo à síntese de Robert Dahl afirmando que A tem poder sobre B quando consegue fazer com que B realize algo que de outro modo não faria(DAHL,1969:80). Envolvendo também uma certa antecipação,por parte de B das eventuais conseqüências negativas no caso de passar a resistir a A,levando-o a permanecer na dada relação sem que seja necessário a A ostentar qualquer elemento coativo mais diretamente.A obra arendtiana dialoga também com a posição de outra parcela da tradição,embora não lhe faça coro,que faz questão de diferenciar “Poder” e “Força”,considerando que onde a força é efetiva já não há mais poder.Tomam como elemento central das relações de poder o “cálculo” que gera expectativas e que baseiam as ações dos atores sociais. Hannah Arendt,ao contrário dos que reduzem o fenômeno do poder à fórmula weberiana,oferece uma dimensão criativa para a ação política e para o poder superando a suposta confusão conceitual reinante na ciência política,já sem dirigir-se apenas aos estudantes dos movimentos da “Nova-esquerda”,passando a referir-se à própria ciência política com sua terminologia e a sua insuficiência para distinguir. Arendt faz do seu registro uma contribuição indissociável de sua experiência de mundo,de sua singularidade.Critica e acumula teoricamente, a partir da própria ação política concreta em compromisso com a natalidade cumpre a contribuição inalienável da sua vivência à teoria da ciência política.Hannah Arendt,com relação à sua crítica da tradição, parte do fato de que o conceito de poder no mundo político,o mais das vezes não está relacionado nem à violência nem ao consentimento,mas pela luta dinâmica e episódica em torno dos interesses conflitantes, em contraposição,por outro lado,a pelo menos uma das claras posições da tradição de localizar o poder justamente na esfera destas relações em função das quais os agentes sociais se organizam e agem coletivamente causando eventos políticos diversos,deslocando com seus movimentos a correlação de forças na sociedade;o que transforma o poder em um bem /resultado a ser adquirido e não como uma atividade-fim em processo aberto e autopoiético:Movimento do movimento em movimento!Onde a primeira palavra movimento exprime significado de dinâmica,deslocamento,alteração de posição;a segunda palavra movimento ocupa as vezes de sujeito da oração(no sentido de movimento social/unidade da ação política do grupo no jogo político);em movimento designado como na definição de algo em processo,em andamento.
A partir daqui,como não encontramos
Pode-se afirmar a partir da leitura de Arendt que a violência em relação ao estado,embora seja um instrumento específico,não é seu único instrumento de manutenção e nos nossos tempos a relação estado/violência é particularmente íntima,não porque seja necessária e obrigatória,mas porque o monopólio do uso da violência pelo estado localizou ali o uso deste elemento como condição essencial para que a violência não estivesse presente nas outras esferas da vida política,sendo também uma condição histórica para certa “Paz” social e que em outros momentos era muitíssimo raras nos estados modernos.
O consentimento proposto pela autora é construído a partir da ação em concerto, enquanto o consentimento da tradição pode referir-se à dominação de uns sobre os outros, como caso especial de poder.
Parece-me aí estar um impasse fundamental no pensamento arendtiano frente à tradição e ao empirismo das vivências políticas dos estados democráticos modernos: enquanto ela aponta como condição para a política este consenso construído e regularmente legitimado em seu movimento na possibilidade de síntese entre a pluralidade expressa em relações entre homens livres e iguais, a história se mostra evidentemente repleta de evidências da direção política funcionando diversamente deste conceito.Restando de acumulação possível desta contribuição de H. A. o vínculo com o reconhecimento destas condições como ponto de partida para a possibilidade de haver política.Se política for,como apresenta a autora,esta possibilidade criativa de “fazer o milagre”,agindo em concerto para conquistar o exercício da ação política,cabe uma reflexão a partir desta leitura sobre a valorização da esfera pública,como apresenta Marcelo Jasmin,analisando a proximidade das contribuições de Arendt e Tocqueville no tocante à responsabilidade da ação humana na História.
2.APRESENTAÇÃO DO PROJETO NOSSAS EXPRESSÕES A PARTIR DA LEITURA DE HANNAH ARENDT
Na observação do conteúdo acessado na pesquisa dos conceitos de “Poder” e “Autoridade”
O Projeto Nossas Expressões propõe a valorização de uma “esfera pública” discente onde encontros semanais são construídos para a recepção da expressão artístico-cultural dos participantes em patamar de igualdade e liberdade. Os encontros recebem as intervenções na modalidade artística escolhida por cada participante: música,teatro,artes visuais,apresentação de temas, poesia ou literatura.
Intervenções de autoria própria ou seleção de outros autores que no critério do participante mereçam “memória”. Ao final de cada período de encontros expressivos o projeto deve publicar uma revista com o registro das intervenções e das avaliações dos participantes onde o registro da acumulação teórica deve disponibilizar-se como herança para a natalidade desta mesma comunidade. O registro escrito deve materializar a acumulação coletiva das habilidades desenvolvidas e vivências compartilhadas nos encontros expressivos na medida em que estes representam a pluralidade de opiniões ativas da comunidade discente no período de cada edição do projeto.
Referências Bibliográficas:
ARENDT, Hannah (1981)A Condição Humana. São Paulo,Forense Edusp.
ARENDT, Hannah (1993)A Dignidade da Política. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
PERISSINOTTO (2004)Renato(2004)Hannah Arendt Poder e Crítica da Tradição.In Revista Lua Nova. São Paulo, Lua Nova Editora Sindical.
JASMIN, Marcelo Gantus(2001)História,Política e Modernidade Das Relações entre Arendt e Tocqueville.In MORAES,Eduardo e BIGNOTTO,Newton, Hannah Arendt Diálogos,Reflexões,Memórias, Belo Horizonte, Editora UFMG.
3. Para o início de um relato dos encontros do Projeto Nossas Expressões:
-11 de outubro: Abertura dos encontros semanais com Roda de Intervenções poéticas e musicais, lançamento do livro “O Dia do Descanso de Deus” com a intervenção do escritor e jornalista convidado Adroaldo Bauer Correa sobre seu processo criativo de escrita e sua atuação na implantação da política de descentralização da cultura à frente da Secretaria Municipal de Cultura
-De 18 de outubro à 29 de novembro: Os encontros semanais foram ganhando identidade e as intervenções sendo cuidadosamente preparadas como exercício expressivo dos participantes. Contamos com o grupo da oficina teatral do DCE em criações próprias muito intensas, com o grupo de teatro “Os Intransigentes” em sua “Oficina Criativa e Interativa”, com o depoimento do “ Seu Vandico”- escultor pelotense, aprendiz de Antônio Caringi e responsável por parte significativa da história do carnaval de Pelotas, com apresentações da Manuela Farias sobre sua pesquisa sobre quadrinhos e quadrinistas brasileiras. Tivemos a colaboração do Tabajara (Leca) apresentando a riqueza dos cordéis de Gessier Quirino repetidas vezes e outros tantos de autores ainda desconhecidos dos espaços acadêmicos. Na música tivemos as intervenções de Samuel Krolow de Ávila, Fernando Schneider, Rodrigo Giovanaz e Gustavo Steiernagel continuadamente e em um crescente de dedicação e qualidade nas intervenções.
-Na Praça Coronel Pedro Osório, num show ao ar livre teve Tato Ribeiro e José Menna apresentando sua intervenção.
Propõe-se que a partir desta apresentação, se passe a pensar neste projeto como atividade de extensão, como possibilidade prática de vivência da tese arendtiana de “Ação em Concerto”. Com o aval e orientação docente dos que nos proporcionam o estudo desta autora ,como intervenção política coerente e comprometida com a natalidade.
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